terça-feira, 10 de janeiro de 2012

Contradições no Cabo Horn


A rota era o ponto mais austral da América do Sul: o cabo Horn. A minha expectativa vinha da noite anterior. Misturava-se com um pouco de ousadia, mistério e espírito desbravador. Mas, agora era entender o rugir de duas forças marítimas. O que aconteceria nas próximas horas?
Perguntava-me: como os marinheiros e navegantes, nos séculos passados, atravessavam estas águas frias com tormentas mortais? E a sobrevivência das noites e dias de tempestades?  Como se alimentavam e dormiam com alto risco de vida? Pelo que entendi enfrentavam os horrores que a natureza, às vezes, oferece a humanidade. Soube que ali ela se vinga, quando aborrecida.


Como seria testemunhar o encontro dos dois gigantes: o oceano Atlântico com o Pacífico? E se um se aborrecesse e ficasse mais feroz ou os dois se inquietassem?
O momento se aproximava. Visualizamos as ilhas, silenciosas e sozinhas no extremo sul do continente. Não me pareciam infelizes. Impunham-se altivas com pouca vegetação à vista. Em alto mar e ainda em solidão?



Não entendo. No que pensariam? Não conversavam? Eram felizes sozinhas? De vez em quando, um pássaro fazia um sobrevoo sobre aquela pequena quantidade de terra rodeada pelas águas austrais. Talvez para dar mais leveza, diante da insegurança que abatia os humanos que presenciavam aqueles momentos. Sentia medo.
           A aproximação do chamado Fim do mundo se evidenciava. O vento frio, cada vez mais, se mostrava patagônico. Violento, sem piedade, nem misericórdia. Não trazia frescor, mas temor.  Não era o encontro do tango argentino, mas o balile nas águas do Chile. Parecia mais uma contradança. Meu coração batia descompassado. 


           De repente, previ que algo muito estranho estava para acontecer perto da Antártica. Estávamos no Oceano Atlântico e já íamos conhecer o Pacífico. Era um confronto marítimo. Já vi muitos em Terra. Muitíssimos, até sem razão de ser. Mas agora era diferente. Era combate da natureza. Os homens não podiam interferir em nenhum acontecimento.
         O vento mais gelado que frio me fez buscar aconchego no meu casaco impermeável. E o mar: “Conheça-me agora, estou aqui”, parecia gritar. Não gosto destes ruídos. Aqueles altos e agressivos me atordoam. Porém estava ali e iria presenciar imediatamente. É chegada a hora.


Não sentia o olho no olho do tango ou o lamento, mas: “Eu sou! Conheça-me! Estou no comando". Fechei os olhos. Lembrei-me do porquê do nome do cabo: uma cidade holandesa de Horn, patrocinou uma navegação, no início do século XVII, para romper o monopólio dos portugueses. Eles dominavam o caminho marítimo, no sul da África para a Ásia para comercializar as especiarias.
Seria uma investigação que poderia dar lucro e acabar com a prepotência. A intenção foi boa. E os primeiros habitantes? Ali moraram os índios Yagan, hoje, a mais ameaçada das culturas indígenas dos chilenos. E a viagem de Darwin? O que estudou lá no mais extremo sul das Américas?


Tentava voltar ao passado, mas o presente estava ali: um vento impressionante! Todo o cenário me levava a crer que o embate estava próximo. Era o “fim do mundo”, popularmente chamado. O que fazer? Não tinha como correr. Era água e vento. Só podia agora ver e esperar. Mas eu não sou uma navegante do século XVII. Sou vivente do século XXI. O mar não gosta de principiantes.
O encontro dos dois oceanos! Estariam nervosos? Poderiam se entender, apesar do vento? Sobre o humor, nunca sabe!  Chegamos. Fiquei perplexa. Não houve embate.
O vento amainou e ali estava o Pacífico. Pacificamente azul. Mar aberto. Com o seu farol e um monumento em homenagem aos tantos navegantes que ali  morreram. Abri e fechei os olhos.




O que faz tanto temor diante da vida e da morte? Não gosto dessa insegurança e também de comandos. Fazer o que quer: ora sereno, ora agitado? Mesmo no fim do mumdo como, às vezes, deparamo-nos, na vida real, a calmaria e a segurança se fazem imprescindíveis. Existem?


   Por que aquele vento, se o mar era azul e as águas transparentes? Por que gerar impactos? Não aprecio ambiguidades. A subordinação das ilhas aos oceanos também não me atraíram para nadar nesses mares abertos.
    Vou partir e  viver outras aventuras. Mesmo em águas geladas, vou em busca de uma barco em que eu possa conduzir meu leme e ancorar-me em regiões que não sejam tão cheias de contradições. 

Nenhum comentário:

Postar um comentário